Projeto Memorias

quarta-feira, 18 de março de 2015

Era uma vez... contos

A luva "Tatiana Belinky convida para uma viagem os tempos medievais"

Recontado de um poema de Schiller por Tatiana Belinky

Foi nos tempos distantes do amor cortês. No reino medieval do rei Franz era dia de festa, e o ponto alto das festividades era a exibição de feras selvagens, trazidas de terras distantes, na arena do grande castelo. Em volta da arena erguiam-se as arquibancadas, encimadas por altos balcões onde brilhavam os nobres da corte, ao lado das belas damas faiscantes de jóias. Entre elas se destacava a donzela Cunegundes, tão rica e formosa quanto orgulhosa, e de pé ao seu lado estava o seu apaixonado adorador, o jovem cavaleiro Delorges, cujo amor ela desdenhava, distante e fria. 

Chegou a hora do início da função. A um sinal do rei, abriu-se a porta da primeira jaula, da qual saiu, majestoso, um feroz leão africano e, sacudindo a juba dourada, deitou-se na areia, preguiçoso. Abriu-se a segunda jaula, liberando um terrível tigre de Bengala, que encarou o leão com olhos ameaçadores e deitou-se também, tenso, como quem prepara um bote mortal. Em seguida, abriu-se a terceira jaula, da qual saltaram, quais enormes gatos negros, duas panteras de dentes arreganhados, deitando-se agachados e aumentando a tensão do ambiente.

Fez-se um silêncio no público: todos aguardavam ansiosos um pavoroso embate mortal entre os quatro monstros felinos... E neste momento, como que sem querer, a donzela Cunegundes deixou cair, do alto do balcão, sua branca luva, bem no centro da arena, entre as quatro feras assustadoras. E dirigindo-se com um sorriso irônico ao seu cavaleiro adorador, falou, afetada:

"Cavaleiro Delorges, se de fato me amais como viveis repetindo, provai-o, indo buscar e me devolver a minha luva." 

O cavaleiro Delorges não respondeu nada e sem titubear, desceu rápido do balcão e com passos decididos pisou na arena, entre as fauces hiantes e as presas arreganhadas das quatro feras. Calmo e firme ele apanhou a luva, e sem olhar para trás e sem apressar o passo, voltou para o balcão, sob os sussurros de espanto e admiração de todo o público presente. 

A donzela Cunegundes estendeu a mão num gesto faceiro para receber a luva e com um sorriso cheio de promessas, falou:

"Ganhaste a minha gratidão, cavaleiro Delorges." 

Mas em vez de entregar-lhe a luva, o cavaleiro Delorges atirou-a no belo rosto da dama cruel e orgulhosa: "Dispenso a vossa gratidão, senhora!", ele disse.

E voltando-lhe as costas, o cavaleiro Delorges foi embora para sempre.

Recontado de um poema de Schiller por Tatiana Belinky

Ilustrado por Maria Eliana Delarissa

Desvende os segredos de um bom texto 


Analisando os recursos utilizados por Tatiana Belinky, você pode ensinar a turma a controlar melhor os efeitos que pretende causar nos leitores

Que texto bonito! É o que vem à cabeça do leitor que chega à última linha do conto de Tatiana Belinky. Que segredos tem um escritor para criar este efeito de magia? Serão poderes especiais conferidos a poucos privilegiados? Claro que não. Seguindo a proposta de aula elaborada por Heloisa Cerri Ramos, consultora pedagógica de NOVA ESCOLA, é possível mostrar aos alunos os recursos da língua para criar efeitos e, assim, montar uma bela narrativa. E, na seqüência, convidá-los a criar, eles mesmos, uma história. 

Comece pedindo à turma que imagine o que acontecerá num conto que tem como título A Luva. Dê tempo para que todos falem. Peça que observem as ilustrações, especialmente as cores e os traçados. Que sensação eles provocam? O ilustrador quis transmitir a ideia de leveza? De tempos antigos? As indagações são um exercício para que todos aprendam a ler imagens, uma competência importante, que deve ser desenvolvida desde cedo. 

Depois, faça a leitura em voz alta, com expressividade, colocando entonação especial nas palavras. Esses momentos costumam ser mágicos, tanto para o professor quanto para os estudantes. Peça que eles também leiam, desta vez sozinhos, em silêncio, cada um saboreando as palavras a seu modo. Pergunte quem gostaria de ler, em voz alta, para todos os colegas, na aula seguinte. Enfatize que leitura em público exige preparação e ensaio. 

Como próximo passo, analise com a classe as atitudes dos protagonistas, a donzela Cunegundes e o cavaleiro Delorges. Peça que opinem e justifiquem suas idéias, num exercício de argumentação. Pergunte que nome atribuiriam às atitudes da moça: orgulho, soberba, vaidade, tirania... Aproveite para discutir o comportamento humano. Lembre a turma que há um gênero literário que apresenta formas de conduta humana representadas por animais — a fábula —, e faça a seguinte pergunta: Cunegundes poderia ser comparada ao pavão da fábula "O Corvo e o Pavão" ?

quarta-feira, 11 de março de 2015

PROJETO MEMÓRIA DA LITERATURA - ESCRITORES NACIONAIS



ESCRITORES & TEXTOS

ANA MARIA MACHADO


 
Ana Maria Machado nasceu em Santa Tereza, Rio de Janeiro, no dia 24 de dezembro de 1941. É escritora e jornalista brasileira. Faz parte da Academia Brasileira de Letras. Foi eleita para a presidência da desta Academia no biênio 2012/2013. Abandonou a carreira de pintora para se dedicar aos livros. Nos anos de 1960, foi exilada pelo regime militar, indo morar na Europa. Em Paris, trabalhou na revista Elle. Fez doutorado em linguística orientada por Roland Barthes.
Em 1977, ganhou o prêmio João de Barro pelo livro "História Meio ao Contrário". Em 1993, foi hors concours do prêmio da Fundação Nacional do Livro Juvenil. Em 2001, recebeu o Prêmio Literário Nacional Machado de Assis, na categoria conjunto da obra. Tem mais de 100 livros publicados. Ocupa a cadeira nº 1 da Academia Brasileira de Letras.

Obras:

BIOGRAFIA - Esta Força Estranha.
COLETÂNEAS - Conta Corrente; Democracia.
INFANTO-JUVENIS - A Jararaca, a Perereca e a Tiririca; Abrindo o Caminho; Alguns Medos e Seus Segredos; Amigo É Comigo; Amigos Secretos; Bem do seu Tamanho; Bento que Bento é o Frade; De Carta em Carta; De Olho nas Pernas; Do Outro Mundo; Era Uma Vez Três; Isso Ninguém Me Tira; Menina Bonita do Laço de Fita; O Canto da Praça; O Domador de Monstros; O Gato do Mato e o Cachorro do Morro; O Mistério da Ilha; Que É?; Quem Manda Na Minha Boca Sou Eu!; Raul da Ferrugem Azul; Tudo ao Mesmo Tempo Agora.
NOVELA - Bisa Bia, Bisa Bel.
ROMANCES - A Audácia dessa Mulher; Alice e Ulisses; Aos Quatro Ventos; Canteiros de Saturno; O Mar Nunca Transborda; Para Sempre; Tropical Sol e Liberdade.
TESE - Recado do Nome.

II – O TEXTO:
...E então eles se casaram, tiveram uma filha linda como o raio de sol e viveram felizes para sempre...
Tem muita história que acaba assim. Mas este é o começo da nossa. Quer dizer, se a gente tem que começar em algum lugar, pode muito bem ser por aí. Vai ser a história da filha desses tais que se casaram e viveram felizes para sempre. E a história dos filhos começa é na história dos pais. Ou na dos avós, bisavós, tataravós ou requeta tatataravós – se alguém conseguir dizer isso e se lembrar de todas essas pessoas.
Bem, tem alguém que lembra. Índio lembra. Em muitas tribos, pelo menos. (...)
Mas isso é coisa de índio. Homem branco hoje em dia não liga mais para essas coisas. Prefere saber escalação de time de futebol, anúncio de televisão, capitais de países, marcas de automóveis e outras sabedorias civilizadas.
Você sabe a história dos seus pais? E dos seus avós? E dos seus bisavós? Eu também não sei muito não. Mas quando não sei invento.
Tem gente que gosta, acha divertido. Tem gente que só quer saber de histórias muito exatas e muito bem arrumadinhas – então é melhor mudar de história, porque esta aqui é meio atrapalhada mesmo e toda ao contrário.
Ela nem começou direito e já apareceram aí em cima uns índios que não têm nada a ver com a história. Mas é que eu gosto muito de índios e piratas (por isso adoro a história de Peter Pan) e toda hora eu lembro deles.
Mas vamos começar de novo pelo começo.
... E então eles se casaram, tiveram uma filha linda como um raio de sol e viveram felizes para sempre.
MACHADO, Ana Maria. História meio ao contrário. São Paulo: Ática, 1979.

CECÍLIA MEIRELES



Cecília Meireles (1901-1964) seria chamada de artista múltipla: poetisa, professora, jornalista e pintora brasileira. Nasceu no Rio de Janeiro em 7 de novembro de 1901. Morreu na mesma cidade em 9 de novembro de 1964.   Órfã de pai e mãe, aos três anos de idade passa a ser criada pela avó materna, Jacinta Garcia Benevides. Fez o curso primário na Escola Estácio de Sá, onde recebeu das mãos de Olavo Bilac a medalha do ouro por ter feito o curso com louvor e distinção. Formou-se professora pelo Instituto de Educação em 1917. Com 18 anos estreia na literatura com o livro "Espectros".
Casou-se em 1922 com o artista plástico português Fernando Correia Dias, com quem teve três filhas. Viúva, casa-se pela segunda vez com o engenheiro Heitor Vinícius da Silva Grilo, falecido em 1972.

Obras:

POESIA - Espectros, 1919; Nunca Mais... e Poema dos Poemas, 1923; Baladas Para El-Rei, 1925; Viagem, 1925; Vaga Música, 1942; Mar Absoluto, 1945; Retrato Natural, 1949; Amor em Leonoreta, 1952; Doze Noturnos de Holanda e o Aeronauta, 1952; Romanceiro da Inconfidência, 1953; Pequeno Oratório de Santa Clara, 1955; Pístóia, Cemitério Militar Brasileiro, 1955; Canção, 1956; Romance de Santa Cecília, 1957; A Rosa, 1957; Metal Rosicler, 1960; Poemas Escritos Na Índia, 1962; Antologia Poética, 1963; Ou Isto Ou Aquilo, 1965; Crônica Trovoada da Cidade de San Sebastiam, 1965; Poemas Italianos, 1968.

PROSA


II – O TEXTO:
OU ISTO OU AQUILO

Ou se tem chuva e não se tem sol,
ou se tem sol e não se tem chuva!

Ou se calça a luva e não se põe o anel,
ou se põe o anel e não se calça a luva!

Quem sobe nos ares não fica no chão,
quem fica no chão não sobe nos ares.

É uma grande pena que não se possa
estar ao mesmo tempo nos dois lugares!

Ou guardo o dinheiro e não compro doce,

ou compro o doce e gasto o dinheiro.

Ou isto ou aquilo: ou isto ou aquilo...
e vivo escolhendo o dia inteiro!

Não sei se brinco, não sei se estudo,
se saio correndo ou fico tranquilo.

Mas não consegui entender ainda
qual é o melhor: se é isto ou aquilo.

MEIRELES, Cecília. Ou isto ou aquilo, disponível em http://frasesdofundodaalma.blogspot.com.br